quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um desafio para a construção civil no Brasil

Flávio Bonanome, do Amazonia.org.br

De acordo com a consultoria Obra Limpa, a construção civil brasileira hoje consome mais de 50% de todos os recursos naturais extraídos e é responsável por 60% de todo o resíduo urbano sólido no país. Além da grande produção de lixo, as obras também são responsáveis pela utilização de imensas quantidades de madeira, muitas vezes extraída da mata nativa. Visando diminuir as consequências da construção civil no desmatamento é que já há 13 anos iniciativas brasileiras têm criado mecanismos, como a certificação de origem, para garantir um menor impacto do mercado. Apesar disso, mesmo após todos estes anos, a efetivação destes mecanismos ainda é escassa.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2009 revelou que somente 20% dos brasileiros têm conhecimento do que se trata uma certificação como o FSC, por exemplo. A sigla inglesa (Forest Stewardship Council), trazida ao Brasil há mais de uma década, serve como mecanismo de controle da origem da madeira, atestando que não foi extraída de forma ilegal ou predatória das matas nativas. As primeiras ações das entidades que coordenavam a aplicação do FSC foram parcerias com a construção civil visando uma adaptação para uma construção sustentável.

Somente dez anos depois da implantação do selo no Brasil, em 2006, é que foi concluída a primeira obra pública 100% certificada: uma pequena casa no município de São Leopoldo (RS) que serviria como centro de informações turísticas. No setor privado a realidade não é muito diferente. Apesar de alguma adesão de construtoras à utilização de madeira FSC, os únicos empreendimentos totalmente e prontos certificados são os condomínios Genesis, no interior de São Paulo.

De acordo com Karina Aharonian, coordenadora do Grupo Compradores de Produtos Florestais Certificados, diversos fatores colaboram com a dificuldade na propagação da madeira certificada nas obras. “Existem diferentes causas que inibem a utilização no setor, como a falta de incentivo do governo, os departamentos de compras das empresas, que às vezes se mostram resistentes à mudança de atitude ou o desinteresse do consumidor, que apesar de se dizer disposto a comprar produtos com o selo FSC ainda não está tomando uma atitude prática”, afirma Karina.

A pesquisa da Datafolha mostra que a coordenadora tem razão. Cerca de 85% dos entrevistados afirmaram que comprariam produtos certificados, mesmo se precisassem pagar um pouco a mais por isso. Outra pesquisa, realizada pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (GBC do Brasil, sigla em inglês) apurou que 64% das pessoas colocam entre as três principais prioridades de um edifício a existência de itens de sustentabilidade. Porém, apesar do interesse em se consumir produtos verdes, a realidade é bem diferente.

De acordo com Marcelo Takaoka, diretor da construtora Takaoka, pioneira no mercado de construções civis sustentáveis e idealizadora dos condomínios Gênesis, embora esse discurso esteja presente, quando o consumidor adquire um imóvel ele tem outras prioridades. “O consumidor, na hora que está pensando na moradia dele, não está preocupado com o aquecimento global. Ele está preocupado é se a moradia comporta a família dele, se a casa é confortável, se é bem vedada, bem localizada”, explica.

Outro cenário é possível

Para Takaoka o principal problema em se consolidar o conceito de construção sustentável na sociedade está no modelo usado para a abordagem do tema. “O consumidor não está procurando uma tese de sustentabilidade ou um trabalho cientifico de mudanças climáticas ao comprar uma casa. O que ele quer é ser diferente do vizinho, ele quer mostrar que a casa dele tem um diferencial”. De acordo com o engenheiro a linguagem deveria estar mais longe do ambientalismo e mais próximo de uma propaganda verde. “Antes de dizer que é ecológica, é preciso mostrar para o consumidor que a madeira da casa dele é mais bonita, mais durável, mostrar as diferenças para a madeira comum”, explica.

Com este discurso que tenta se aproximar mais da mentalidade do consumidor, Takaoka conseguiu uma vendagem de 100% em seus condomínios sustentáveis, mesmo com um preço acima da média. “É isto que eu tenho dito nas minhas palestras, enquanto continuar falando de queimada na Amazônia, pagar 30% a mais numa madeira não justifica”, afirma.

Silvo Gava, diretor técnico da construtora e incorporadora Even, também acredita que não adianta esperar uma conscientização do consumidor para mudar este cenário. “Isso nas empresas de construção civil tem que partir de cima mesmo, porque se não, não se consegue implementar políticas sustentáveis”, explica. A empresa dirigida por Gava é um bom exemplo no ramo da construção civil: já há três anos utiliza somente madeira certificada pelo FSC em suas obras.

Para Gava, iniciar o trabalho com material certificado foi uma questão de responsabilidade. “Eu acredito que isso, além de ser uma questão de responsabilidade, é uma questão de princípios, até com as futuras gerações”, afirma o diretor. Segundo ele, a escolha por entrar no mercado sustentável via FSC foi até lógica, tendo em vista que, segundo ele, a primeira coisa que as pessoas pensam quando se fala em ecologia é em árvores. “Então tentamos focar com uma ordem de compra, para não mais negociar madeira que não fosse certificada. Daí engajou todo mundo em conceitos, começaram a surgir idéias boas”, explica.

Ciente de que o cliente ainda não está disposto a pagar a mais por um produto certificado, Gava passou a negociar com seus fornecedores para zerar as diferenças. “Na primeira compra de madeira FSC que fiz, gastei 5% a mais, hoje não gasto mais nada. Consigo a madeira FSC no preço da comum”, explica. Para ele, uma política como esta aplicada pelos fornecedores pode ser essencial para a divulgação da sustentabilidade na construção civil. “Se os fornecedores de produtos sustentáveis fossem mais espertos, venderiam muito mais. Aquele que sair na frente e passar a vender produto sustentável ao preço de mercado vai atrair todos os clientes, e desta forma, forçará os outros fornecedores a fazer o mesmo”, afirma Gava.

Alternativa

Outra possibilidade para a popularização da madeira FSC na construção é, por ironia, um outro modelo de certificação: o Leed (Leadership in Energy and Environmental Design). Vindo de um modelo americano, o Leed é um selo atribuído a obras que possuem, não só matéria prima de origem garantida, mas é totalmente planejada para reduzir os impactos da construção civil no meio ambiente.

A certificação, coordenada pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, contempla as obras que adotem recomendações em cinco grandes grupos: uso racional da água, eficiência energética, materiais adequados e recomendações para ambiente interno dos edifícios. Desta forma, para adquirir o selo, o planejamento deve começar na planta, desde a localização do empreendimento visando diminuir o deslocamento automotivo de seus ocupantes, até o posicionamento em relação ao sol para economizar energia durante o dia.

O selo tem conquistado grande sucesso no setor de imóveis empresariais, isto é, para escritórios e sedes das empresas. De acordo com Nelson Sawakami, diretor da GBC do Brasil, o crescimento da popularidade da certificação é proporcional à procura de grandes empresas por imóveis sustentáveis. “Existem várias empresas que quando vão alugar imóveis para escritórios, sedes para suas matrizes, já exigem a certificação como pré-requisito, como a Toyota, a Suez ou a Petrobrás”, explica Sawakami. A vantagem é que todas as obras com Leed possuem também o FSC.

Apesar disso, a metodologia de certificação é bastante demorada, podendo levar até seis meses depois da obra pronta. Esse processo penoso afasta um pouco a procura pelo selo para os clientes comuns. Somente seis obras já foram certificadas pelo Leed, e mais 139 aguardam o selo, o que, de acordo com Sawakami, é menos de 1% do total da construção civil brasileira.

Mesmo com todas as problemáticas, é possível sonhar com um Brasil com 100% de suas construções com aplicações de idéias sustentáveis. Basta somente a medida certa de pressão da sociedade civil, governança bem aplicada, e como diz Silvio Gava, “vontade real por parte das empresas”.

Fonte: Amazonia.org.br, no http://mercadoetico.terra.com.br/

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