.O céu era azul brigadeiro. O frio cantado por Djavan, aquele que vem lá do Sul, deve ter ficado ainda mais para baixo do mapa. Nem parecia inverno ali naquela terra que já foi beijada pela neve em invernos passados. Vestígios da estação só eram denunciados pelas parreiras secas no Vale dos Vinhedos. Como me explicou um morador local, as plantas estavam descansando para produzirem as uvas dos vinhos agora finos da região.
De qualquer forma, a sensação era de verão em Bento Gonçalves, cidade localizada no pólo industrial da Serra Gaúcha, a uma hora e meia da capital Porto Alegre. Com exceção de duas ou três pessoas que ignoravam as altas temperaturas daquela sexta-feira (28/8), todos estavam de mangas curtas.
Mas não era hora de passear. Logo de manhã, quando cheguei ao município, tive uma reunião com Tatiane Merlo e Fabiane Locatelli. Elas são coordenadora do Centro de Competência e diretora da Fundação Proamb, respectivamente. Em nossa conversa, as duas me explicariam sobre a história e trabalhos desenvolvidos pela instituição. Aliás, esse era o principal motivo da Fundação ter me convidado para passar dois dias em Bento.
Foram horas de bate-papo com Locatelli e Merlo. Mas o que realmente chamou minha atenção foi a história de como tudo aquilo teve início.
Imagine empresários sofrendo pressão de uma agência ambiental - no caso a FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental do RS) - para que a legislação ambiental fosse cumprida. Havia ameaças de multas e de fechamento de fábricas. Em outras palavras, o recém-criado órgão do estado estava fazendo o seu trabalho.
Diante do cenário, um grupo de 31 empresários se uniu e criou a Fundação Proamb. O primeiro objetivo era solucionar a questão dos resíduos sólidos de suas fábricas, evitando assim ações mais severas da FEPAM.
O aterro
A resposta viria de uma viagem feita à Alemanha, de onde foi importada a técnica de armazenagem de resíduos industriais.
Em visita ao aterro, pude ver como isso funcionava. A grosso modo, cava-se um piscinão no chão com profundidade que vai de cinco a oito metros e extensão de até 50 metros. As paredes do buraco são cobertas com camadas de um plástico especial, chamado membrana geológica, e um tecido isolante. São eles que impedem o contágio pelo lixo industrial, que é dividido em duas classes: I, que é tóxico e pode contaminar o solo; e o II, que não oferece risco, mas ainda não conta com tecnologia de reciclagem. Quando o depósito se enche, é feito o seu “envelopamento”: cobre-se o lixo com uma camada grossa de concreto.
A escolha por esse tipo de aterro foi feita devido ao seu custo-benefício. Mas mesmo com a união de 31 companhias, o custo de um milhão de dólares ainda estava acima das possibilidades da fundação.
Foi então que o grupo decidiu passar o chapéu. Outras 16 empresas que enfrentavam o mesmo problema foram convidadas a participar da iniciativa. Com os novos integrantes, o projeto começou a sair do papel e foi inaugurado em 1999.
Marcio Chiaramonte, presidente da Proamb, ressalta que essa não é a única solução para o problema do lixo industrial. “Mas essa é sim uma solução e foi a que se tornou possível para nós”, diz. “Não fazemos isso porque somos bonzinhos. Claro que estamos preocupados com as questões ambientais, mas a verdade é que esse aterro rende muito dinheiro”, afirma.
Isso não significa exatamente lucro, até porque a Proamb é uma entidade sem fins lucrativos. Como Fabiane Locatelli ressalta, o que a entidade ganha acaba sendo reinvestido em sua própria atividade. O que Chiaramonte quis dizer é que, se as empresas não derem um fim adequado ao lixo, receberão multas severas e, por fim, acabarão perdendo dinheiro.
O fim do lixo?
Um segundo ponto que me chamou a atenção foi o fato de que o encaminhamento de lixo para o aterro da Proamb vem diminuindo cada vez mais. Para se ter uma idéia, o projeto previa o atendimento a 44 empresas por um período de 20 anos. Hoje, atende-se mais de 500 e a previsão de funcionamento é de 25 anos.
Como assim?
“Desenvolvemos serviços que, aparentemente, estão matando o nosso negócio”, brinca Marcio Chiaramonte. Ele explica que a diminuição do lixo enviado ao aterro se deve ao serviço de consultoria ambiental. Basicamente, diminuíram os desperdícios.
“Estávamos recebendo papelão sujo de óleo. Fomos ver o que estava acontecendo”, conta o presidente. “Descobrimos que havia uma máquina com vazamento. Os papelões impediam que o óleo sujasse o chão. Só que o papelão e o óleo separados podem ser reciclados. E foi o que fizemos”, disse.
Tatiane Merlo dá outro exemplo. “Antendemos uma companhia que utiliza areia nos moldes de seus produtos. Antes, a matéria era utilizada somente uma vez e logo descartada para o aterro. Com novas tecnologias, foi possível reutilizar essa areia diversas vezes”, conta. “Além dos benefícios que isso traz ao meio ambiente, também gera uma renda extra ao fabricante, que gasta menos com matéria-prima e pode vender os materiais recicláveis”, completa.
Segundo Merlo, isso não significa que a Proamb esteja matando o próprio negócio. Ela diz que o resultado é fruto do esforço de se dar uma destinação correta aos resíduos. Além disso, também é a diversificação das atividades da Fundação.
O caso de Bento Gonçalves pode ser visto como uma forma de enfrentar a questão do lixo industrial. Se as empresas sozinhas não conseguem encontrar uma solução, por que não trabalhar em conjunto?
A questão do desperdício também é gritante, principalmente em um momento em que o consumo entra na mira da sustentabilidade. Como ficou claro na conversa com o pessoal da Proamb, a preservação dos recursos naturais, principalmente no meio industrial, está menos ligada à benevolência e muito mais ao lucro.
Aparentemente, quando se mexe no bolso das pessoas, as coisas andam mais rápido. Não foi assim com o cinto-de-segurança? Não seria essa a solução no campo da sustentabilidade?
* Henrique Andrade Camargo viajou a convite da Fundação Proamb.
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