segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ecologia interior


Por um minuto, esquece a poluição do ar e do mar, a química que contamina a terra e envenena os alimentos, e medita: como anda o teu equilíbrio ecobiológico? Tens dialogado com teus órgãos interiores? Acariciado teu coração? Respeitas a delicadeza do teu estômago?Acompanhas mentalmente o teu fluxo sanguíneo?


Teus pensamentos são poluídos? As palavras, ácidas? Os gestos, agressivos? Quantos esgotos fétidos correm em tua alma? Quantos entulhos - mágoas, iras, invejas - se amontoam em teu espírito?


Examina a tua mente. Está despoluída de ambições desmedidas, preguiça intelectual e intenções inconfessáveis? Teus passos sujam o caminho de lama, deixando um rastro de tristeza e desalento? Teu humor intoxica-se de raiva e arrogância? Onde estão as flores do teu bem-querer, os pássaros pousados em teu olhar, as águas cristalinas de tuas palavras? Por que teu temperamento ferve com frequência e expele tanta fuligem pelas chaminés da tua intolerância?


Não desperdices a vida queimando a tua língua com as nódoas de comentários infundados sobre a vida alheia. Preserva o teu ambiente, investe em tua qualidade de vida, purifica o espaço em que transitas. Limpa os teus olhos das ilusões de poder, fama e riqueza, antes que fiques cego e tenhas os passos desviados para a estrada dessinalizada dos rumos da ética. Ela é cheia de buracos e podes enterrar o teu caminho num deles.


Tu és, como eu, um ser frágil, ainda que julgues fortes os semelhantes que merecem a tua reverência. Somos todos finos copos de cristal que se quebram ao menor atrito: uma palavra descuidada, um gesto que machuca, uma desconfiança que perdura.


Graças ao Espírito que molda e anima o teu ser, o copo partido se reconstitui, inteiro, se fores capaz de amar. Primeiro, a ti mesmo, impedindo que a tua subjetividade se afogue em marés negativas. Depois, a teus semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão, sem jamais sacrificar o respeito e a justiça.

Livra a tua vida de tantos lixos acumulados. Atira pela janela as caixas que guardam mágoas e tantas fichas de tua contabilidade com os supostos débitos de outrem. Vive cada dia como se fosse a data de teu renascer para o melhor de ti mesmo - e os outros te receberão com dom de amor.


Pratica a difícil arte do silêncio. Abandona as preocupações inúteis, as recordações amargas, as inquietações que transcendem o teu poder. Mergulha no mais íntimo de ti mesmo, em teu oceano de mistério, e descrobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda a tua identidade. Guarda este ensinamento:
por vezes é preciso fechar os olhos para ver melhor*.

Acolhe a tua vida como ela é: dádiva involuntária. Não pedistes para nascer e, agora, não desejas morrer. Faz dessa gratuidade uma aventura amorosa. Não sofras por dar valor ao que não merece importância. Trata a todos como igual, ainda que revestidos ilusoriamente de nobreza ou se mostrem carcomidos pela miséria.


Faz da justiça o teu modo de ser e jamais te envergonhes de tua pobreza, de tua falta de conhecimentos ou de poder. Ninguém é mais culto do que o outro. Existem culturas distintas e socialmente complementares. O que seria do erudito sem a arte culinária da cozinheira analfabeta? Tua riqueza e teu poder residem em tua moral e dignidade, que não têm preço e te trazem apreço.


Porém, arma-te de indignação e esperança. Luta para que todos os caminhos sejam aplainados, até que a espécie humanda se descubra como uma só família. E cultiva a convicção de que convergimos todos rumo ao supremo Atrator.


Faz de cada segundo do teu existir uma prece. E terás força para expulsar os vendilhões do templo, operar milagres e disseminar a ternura como plenitude de todos os sentimentos.

Ainda que cercado de adversidades, se preservares a tua ecobiologia interior serás feliz, porque trarás em teu coração tesouros indevassáveis.


* Grifo nosso. Frei Betto, A arte de semear estrelas, Rio de Janeiro, Rocco, 2007.

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